Um aviso: não é a intenção, mas podem
existir vários spoilers a seguir.
Para quem não conhece, Jogos Vorazes
aparenta ser apenas mais uma das séries literárias que "pegaram
carona" com o sucesso estupendo da adaptação de Harry Potter para os
cinemas. Tive uma má impressão do primeiro
filme, que eu considero fraco mesmo para preparar terreno aos seguintes,
mas que deixou gancho suficiente para ver a continuação. Em Chamas me surpreendeu
positivamente pelo considerável levante na trama, expondo as “vísceras” de
Panem e introduzindo os vencedores de jogos anteriores, pessoas de papel
crucial no contexto político da história.
Nos dois primeiros episódios da série é
criticada a glorificação da violência como entretenimento televisionado (que o
diga o Brasil e os seus “noticiários pinga-sangue" no horário do almoço),
em uma sociedade cuja elite perdeu a noção de civilidade e maquia o próprio
sadismo com uma faceta de sofisticação. Agora, a protagonista se familiariza
com a política de guerra e apreende que tanto a revolução como a opressão usam
truques midiáticos semelhantes na manobra das massas.
Agora, em A Esperança,
após sobreviver a dois Jogos Vorazes e provocar a destruição da arena de seu
segundo (o Quarter Quell), a protagonista Katniss Everdeen é
resgatada por partidários do Distrito 13, que se acreditava ter sido
aniquilado. Por suas ações recentes ações, ela é convocada a se tornar Tordo (o
Mockingjay do título original do filme), o símbolo da revolução, que
através de um plano de propaganda, deve incentivar os demais distritos à
rebelião e juntos derrubar o regime totalitário da Capital.
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Tá pegando fogo mesmo! |
Esse capítulo da saga também rompe com a
estética "montada" dos anteriores. O estilo extravagante da Capital
era até compreensível, mas o marrom "maquiado" dos Distritos não
passava a sensação real de decadência. Os cômodos cinzentos, apertados e
estéreis do bunker do Distrito 13 e as ruínas industriais cruas do Distrito 8
convencem em criar uma atmosfera suja e depressiva, como é a guerra verdadeira,
especialmente este último caso, pela forte cena dos feridos em um hospital
improvisado. A sequência de destruição da usina hidrelétrica
pelos trabalhadores do Distrito 5, que mostra da bravura de pessoas comuns
contra o sistema que não tem pudor de usar a força letal, tem um tom muito
poético, apesar de trágico. E tenho quase certeza que o ataque ao bunker deu um
desconforto ao público estadunidense, acostumado a ver árabes serem
bombardeados por aviões na TV.
Jennifer Lawrence melhorou bastante como
protagonista (ainda
tento entender aquele Oscar...), mas os coadjuvantes continuam a roubar a
cena. Aliás, é notável como alguns atores ficam irreconhecíveis em suas
caracterizações. Ponto pra direção de arte. Woody Harrelson e Elizabeth Banks retornam como os
alívios cômicos bem-dosados e eficientes de sempre, Haymitch e Effie Trinket. Prim e Gale continuam a transição de
irmãzinha e par romântico para peças mais centrais da trama, e Julianne Moore entrega uma
calculista Alma Coin, que compete em frieza com o presidente Snow (Donald Sutherland, em sua
interpretação cínica rotineira).
É interessante a construção da propaganda
de guerra, personificada pela cineasta Cressida (Natalie Dormer, a Margaery
Tyrell em Game of Thrones) e o falecido Phillip
Seymour Hoffman, em uma excelente atuação como o ex-showrunner dos jogos Plutarch. Juntos, fazem um
referência direta à Joseph
Goebbels, o célebre ministro de propaganda do Reich nazista. A
diferença é que aqui, é a revolução que utiliza o recurso da comunicação para
incitar o povo, e não o regime. Em uma aproximação mais contemporânea, a comparação
mais próxima são os trailers cinematográficos, pela tendência d a publicidade ser
mais climática do que o produto final (no caso, a guerra como é vendida no
comercial parece muito mais “bonita” do que o massacre generalizado que é na
verdade).
Na soma de pontos, A Esperança, Parte 1 é um
filme com um ritmo constante e roteiro redondinho, que ainda tem o mérito de causar
reflexão no espectador sobre a atrocidade que é a guerra e o massacre de civis
desarmados, mesmo sendo primariamente um cine-pipoca. Valeu a pré-estreia!
Nota: ★★★★ de ★★★★★
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